Sou morador de Manguinhos, complexo de favelas do subúrbio do Rio de Janeiro onde está fincada a maior instituição sanitária do país, a Fundação Oswaldo Cruz, onde estudo. Tenho sorte na localização da minha casa, primeiro por estar a 4 minutos do colégio, e principalmente por ser na comunidade mais tranqüila do complexo.
Costumo ser bastante distanciado da realidade do local onde moro, mas uma cena me chamou atenção, e me levou a uma reflexão. Ao me dirigir a uma parte dominada pelo tráfico esbarrei com um menino que levava uma pipa em umas das mãos, e fumava um cigarro de maconha com a outra. Em seguida passei próximo à “boca-de-fumo”, onde dois rapazes brigavam por pipas, que estavam ao lado das drogas, e um deles portava uma arma de grosso calibre.
Me lembrei que durante todo o período de férias, por dispor de mais tempo, fui a uma padaria mais distante de casa, passando todos os dias em frente à uma boca, onde me deparava com os mesmos três rostos, de adolescentes talvez mais novos que eu, e que provavelmente passaram a noite em claro. Podia estar chovendo ou ter um sol escaldante (o que não falta no janeiro do Rio) que eles estavam lá, se protegendo como podiam, numa posição que não transparecia nenhuma glória, nenhuma honra, mas exatamente o inverso.
Lembrei também que há cerca de um mês foi inaugurada uma obra do PAC, o Centro de Referência para a Juventude, do qual só ouvi notícias relativas à inauguração, feita pelo presidente e o governador, e que no mesmo dia entrou em funcionamento uma rede Wireless gratuita em todo o complexo, anunciada por louvor nos principais noticiários, e que deve estar sendo utilizada por... ninguém.
A totalidade das obras do PAC têm menos de um ano para a data de conclusão, enquanto isso na semana passada fiquei receoso em atravessar a comunidade com uma amiga para pegar um ônibus, porque as ruas ainda são mares de lama (onde inclusive estão sendo criados porcos, em meio à sujeira, que devem ser alternativa para geração de renda de algum morador), o esgoto continua sendo direcionado aos rios que cortam as comunidades, milhares de pessoas moram em condições inaceitáveis, e os funcionários da obra trazem estampado no peito “Eu ajudei a construir o sonho de Manguinhos”.
Fico pensando se seria mesmo o sonho de Manguinhos ter simples ruas asfaltadas, áreas de lazer, vila olímpica... (isso se essas forem terminadas) ou se o sonho é que as pipas não dividam mais o espaço com as drogas e armas. E espero que se a plenitude for alcançada, não seja por meio da força, porque não gostaria de descobrir que aquele menino (e digo menino por ser mais novo que eu) que soltava pipa foi preso por ter um vício que deveria ser tratado, ou está solto e continua no vício, porque tenho a consciência de que ele é só um... só um de muitos e muitos.
Torço para que já no próximo Janeiro, quem sabe, tenhamos só as pipas, e sem que pra isso as estatísticas de mortos aumente.
