3 de abr. de 2010

'Hoje o dia está tenebroso'

Dia ensolarado no Rio de Janeiro. Céu limpo, sem nuvens. O Jornal X publica na primeira página: ‘Hoje o dia está tenebroso’. O Jornal Y, por sua vez, publica uma receita de torta de morango, enquanto o Jornal Z deixa apenas um espaço em branco. Para os que estavam cientes da situação do país era visível que, naqueles espaços, uma notícia fora censurada. Ao invés de noticiar as atrocidades que aconteciam àquela época, os jornais eram obrigados a publicar esses ‘tapa-buraco’, ou simplesmente nada publicar.

Durante o Regime Militar (1964-1985) a censura era uma rotina nas redações dos jornais e essas silenciosas formas de protesto eram uma prática. Qualquer notícia, artigo ou matéria jornalística que fosse contra os interesses do regime eram censuradas. E não apenas os jornalistas sofreram com essa prática. Os artistas, sobretudo, tiveram suas obras retalhadas e proibidas de acordo com a vontade dos censores. As pessoas ‘comuns’ também não podiam expressar o que pensavam. Sempre havia a possibilidade do telefone estar grampeado, ou das cartas serem abertas. E, se fossem sair as ruas para se manifestar, certamente seriam reprimidas de forma violenta.

Em suma, de 1964 a 1985, com momentos de menor e maior repressão, não havia liberdade de expressão em terras brasileiras.

Como chegou a esse ponto?

Foi em 31 de março que começaram os eventos que culminaram no Golpe Militar de 1964 (ou Revolução, como os militares costumam chamar). Os militares, alegando uma resposta à ‘ameaça comunista’ tomaram o poder das mãos da sociedade civil, representada pelo presidente João Goulart, e em 15 de abril empossaram o marechal Castelo Branco como presidente.

Obviamente, após o Golpe os militares adotaram diversas medidas para manter seu poder. Entre elas a censura, que foi uma das principais armas do regime para calar seus opositores. Além, obviamente, dos típicos assassinatos, torturas e exílios.

A partir de 1964 as liberdades públicas foram progressivamente dizimadas até que 1968 foi ‘baixado’ o Ato Institucional nº 5. Tal ato foi o grande marco da censura no Brasil, e também da Ditadura Militar em si, pois fechou o regime, oficializando o estado de ditadura e dando poder absoluto aos militares. A nós, nessa matéria, importa principalmente o seguinte item do AI-5, que determina a: III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política”.

A Imprensa

Como já foi dito, a imprensa sofreu com a retirada de sua liberdade de expressão. Entretanto, ela nunca foi uma vítima da ditadura. Os principais jornais brasileiros, além de terem feito campanha a favor da deposição de Jango, também festejaram o Golpe Militar. Inclusive, segundo o jornalista Mino Carta, a Folha de São Paulo, não apenas nunca foi censurada, como emprestava seus veículos ao regime para ‘recolher’ prisioneiros e torturados. Ou seja, em certos casos, a imprensa colaborou com os militares.

A Censura Cultural

A censura atingiu todos os meios de comunicação e toda a indústria cultural. Além dos jornais, ela interveio em centenas de filmes, peças teatrais, livros e revistas, poemas e, com destaque, na música. Possivelmente, os mais conhecidos exemplos de censura ocorreram neste meio. E, também, os maiores exemplos de como contorná-la. Todos conhecem a música ‘Cálice’, de Chico Buarque, compositor que era o alvo predileto da censura. Aparentemente, nenhum censor percebeu que se tratava de ‘cale-se’, do verbo calar. Além deste, há vários casos em que a censura falhou ridiculamente, como na música ‘Meu Caro Amigo’, também do Chico:

Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

“A coisa aqui tá preta”?. O censor estava de folga nesse dia?

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Concluindo, uma ditadura deixa marcas em um país, principalmente uma que dura duas décadas. Tais marcas levam muito tempo pra se dissolver. Reflita, e poderá perceber muitas delas em vários aspectos da sociedade brasileira, influenciando o seu cotidiano, o seu dia-a-dia, a sua vida.

A Ditadura Militar acabou, mas a censura continua, com novos rostos, novos objetivos e novas formas de agir. Saiba mais sobre isso no texto complementar a esse: Liberdade (?), escrito por Jorge Luís.

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